quinta-feira, 24 de julho de 2008

Amor, O interminável aprendizado

Hoje ficaremos com esta maravilhosa cronica de Affonso Romano de Sant'Anna diz tudo.



Criança, pensava: amor, coisa que os adultos sabem.
Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se estrebucando numa aflição feliz de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala ante a damília, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um depois-adulto-aprendizado.
Se enganava.
Se enganava porque o aprendizado do amor não tem começo nem é privilégio aos adultos reservados. Sim, o amor é um interminável aprendizado.
Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões se amava. E quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sacia nunca, como ali já não se saciara.
De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente a farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos.
Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um ponte onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram.
Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus. Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o amor.
O amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava.
Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.
O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte-final.
Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.
Amor às vezes coincide com desejo, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.
E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.
Absurdo.
Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?
Adolescente que amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amar dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.
Não era só a estórias e as estórias de seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.
Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.
Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.
O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.
Optou por aceitar a sua ignorância.
Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.
E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.

12.6.88

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Cascas, cigarras e tatus


Quem já sentiu o gosto do estalar das cascas de árvores, estalam a cada pisada, meus pés as procuravam, de pulo em pulo elas se amassavam, isso era a infância, não sei explicar, a satisfação daquela crocancia quebrando acabando nos pés, talvez a confirmação que naquele instante algo era destruído por alguém pouco notado em constante aprendizado. E aquelas flores amarelas, tinham um "pendãonzinho"branco como dizia minha Avó, dentro delas avia um açúcar da flor, experimentávamos aquele doce, dividindo a cumplicidade com as abelhas, atrativo da planta para ser polinizada, sua sobrevivência. Esta infância que olhava de perto o mistério daqueles tatuzinhos de jardim, é isso mesmo, aqueles que descobri mais tarde serem crustáceos, eu que achava serem insetos, mas isso pouco importava, a satisfação era toca-los com graveto, rapidamente se fechavam e viravam pequeninas bolinhas, que podíamos ver rolar por todo quintal. Claro não deixarei de lembrar dos pequenos casulos de borboleta, cheios de gravetos, nós fortes, guardando aquela larva que se tornaria uma borboleta, como acompanhei aquele casulo, cada visita á minha Avó até o dia em que o vi vazio, nunca saberia quem era a borboleta que de lá saiu eram tantas e tão rápidas, junto das cigarras e seus "cascos" abandonados, corpos transparentes e vazios, molde de cigarra. Todas satisfações pequenas sem muito sentido ou propósito, afinal a maior satisfação não tem objetivo, é imediata, passageira e inesquecível.

terça-feira, 22 de julho de 2008

O algoz

O que há de pior em nosso algoz
não é a tortura latente cortante,
é a sua negação da culpa.
Confesse, confesse,
a terrível tortura
destes anos
meses e dias.
Nada pior que a omissão de meu algoz(...)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

É as coisas são assim

Qual sentido das coisas? Fiquei com esta questão em mente, depois de uma grande dose marxista que tive em duas palestras, refleti à respeito das coisas, isso mesmo tudo que nos cerca e foi transformado através do trabalho humano, aqui neste ponto já habita um equivoco, afinal o que são as coisas? Tudo que construímos para nosso uso? Para que serve um carro à não ser para o transporte humano? Bem seria muito bom, mas sabemos que o "carro" ou aquela roupa significam muito mais que instrumento de uso humano. Ao atribuirmos características humanas ao produtos que fabricamos, significados, identificações, super valorizamos o produto em si mesmo distanciando-se do seu sentido inicial o uso puro e simples do objeto, quem o fabricou? Mãos humanas. Quem vai utiliza-lo? Apenas algumas mãos eleitas. Este mundo repleto de coisas, criadas por nos mesmos, visto durante o dia, sol alto, é manifestação viva, carros trafegam, ruas movimentadas, padarias cheias, os pães saem rápido do cesto, os ónibus seguem cheios, roupas chamam atenção nas vitrines, tudo esta movimentado, percebem a descrição das coisas? todas com sentido, vida própria, porém algumas horas depois, em uma cidade "pequena" como Maringá sem mercados 24h(louvado seja o bom senso) tudo fica parado por volta da 0:00, ninguém esta na rua, tudo vazio quem dá sentido a todas as coisas? Todas lá imovéis, onde está a utilidade delas, tudo bem sei que no outro dia elas estarão lá prontas para o consumo, a compra, mas e daí?Toda a vida impressa naqueles objetos somem quando as mãos humanas vão para o descanso, lógico que estarão em suas casas repletas de coisas, mas que sentido elas terão afinal? Arendt diz que tudo que o homem cria, transforma, nos condiciona, passa para algo de condição humana, você se vê sem a TV? o PC? Quantas siglas para estes eletrodomesticos, ai grande equivoco meu, eletrodomesticos? Como posso reduzir estes meios mágicos de comunicação? Nossa realmente é difícil se livrar da impressão viva das coisas, quantas coisas, artigos manufaturados. Não estou negando todas as vantagens da tecnologia, dos nossos "queridos produtos" criados por nos, humanos, mas sempre que se olha para uma dessas coisas magicas vejo a mão humana? Nossa como alguém criou o magico microondas, esquenta tudo rápido, faz aquele barulho estranho, cada copo de agua fervido faz com que se instale o pavor de talvez uma revolta interna e uma grande explosão nuclear em minha cozinha. Bem voltando, ficaremos aqui culpando eletrodomesticos? Claro que não, sei que todo esse fetiche vem do tão famoso, adorado/odiado capitalismo, a incitação ao consumo, aumento da exploração, homem moderno mas escravo, porém não posso deixar de admitir por tudo que sei, ainda permaneço escrava deste sistema, minha resistência tem sido esta, a tentativa de olhar estes artigos como coisas, sem encantamento, confesso fraqueza diante de uma vitrine cheia com talvez o grande chavão do consumo, a palavra magica "LIQUIDAÇÃO"...Sobrevivo ao ouro de tolo?

"Ah!
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar..."

sábado, 5 de julho de 2008

Pequena analise pretensa do meu habitus

Como cheguei até aqui? Meus pais não fizeram faculdade, sempre estudei em escola publica, porém nunca trabalhei. Dentro de minhas estratégias percebi que era necessário que fizesse um curso superior para quem sabe conseguisse um emprego melhor que os meus pais. Esta ideia povoa a mente de muitos jovens de classe baixa, algo comum, uma estrutura construída a cerca do que seria uma chance, porém o que me faz diferente? A ciências sociais, talvez esteja claro que a ciências sociais não seria uma escolha coerente para alguém que busca uma melhoria financeira, o campo intelectual condena a pratica da sociologia para fins financeiros? Sim mas há outro mercado o de trabalho que oferta poucas vagas para quem atua neste campo. Dois campos duas regras diferentes mas que acabam por colocar situações semelhantes falta do capital financeiro. Minha irmã fez química, diferente de mim sua estratégia trabalhar em indústria foi se modificando ao longo da graduação e o desejo de estudar cada vez mais faz com que ela tente cursar um mestrado. Bem este desejo de mudança das estruturas levou-me a ciências sócias, logo escutei que este não era o objetivo do curso, dentro daquele campo cientifico descobri ser um erro o pesquisador que propõe intervir e atuar diretamente no seu “objeto de estudo”. Aprendi palavras novas, meu capital simbólico aumentou, e percebi que o significado das minhas palavras mudavam de acordo com meio que as pronunciava, até mesma a forma de tratamento que recebia das pessoas mudou, claro que em relação á visão que cada um possuía da minha graduação, ou do fato de fazer graduação e ainda onde faço a graduação.
Bem minha estratégia talvez esteja aliada aos diversos livros que li na infância, aos jornais que meu pai sempre leu e discutiu em casa, as historias do meu avô sobre o comunismo e como Fidel salvou Cuba, esta mescla junto com a curiosidade sobre a sociologia que nunca tinha tido contato até entrar para universidade, todas são deduções, pois todas estas informações foram recebidas e exteriorizadas de formas diferentes por minha irmã. Meu habitus, capital cultural mudaram de acordo com as mudanças históricas em minha vida e as relações que estabeleci com todos em minha volta, comprovando a máxima de Bordieu: “O que o mundo social fez, o mundo social pode desfazer”.